Apelação. Ação Civil Pública. Reserva Extrativista Jaci-Paraná. Ocupação ilegal. Desmatamento. Desenvolvimento de agropecuária em unidade de conservação ambiental. Dever de reparar o dano ambiental. Dano moral coletivo. Lesão a sentimento difuso ou coletivo. Ausência de comprovação. 1 Os danos ambientais têm natureza propter rem, ou seja, vinculam-se ao objeto tutelado e não ao sujeito, de modo que não importa quem foi o causador do dano, pois a degradação adere ao título de domínio ou posse, de modo que o detentor ou o possuidor da área será responsabilizado pelos danos causados. 2. Evidenciado dano ambiental, impõe-se o dever de indenizar. 3. Em consonância com a teoria da responsabilidade civil, a finalidade da indenização do dano moral coletivo é amenizar as consequências do ato que atinge proporções de valores éticos e morais da coletividade. 4. Para se configurar dano moral coletivo, a ofensa ao meio ambiente deve ultrapassar o limite de tolerância, e que o dano tenha atingido efetivamente valores coletivos. 5. Apelo parcialmente provido. (APELAÇÃO CÍVEL 7024976-04.2016.822.0001, Rel. Des. Gilberto Barbosa, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia: 1ª Câmara Especial, julgado em 17/09/2020.)
RELATÓRIO
Cuida-se de Recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público e pelo Estado de Rondônia contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública de Porto Velho, que, em sítio de ação civil pública, declarando direito de o Estado reintegrar-se na área, impôs a José Alves Pereira apresentar projeto de recuperação ambiental visando à recomposição da floresta nativa, bem como providenciar a retirada de semoventes que estejam na Reserva Extrativista Jaci-Paraná e, sem direito à indenização, destruir as benfeitorias, id. 8962882.
Sustentam comprovado que o apelado, para além de ocupar área de conservação ambiental, promoveu degradação ambiental para desenvolver atividade agropecuária.
Asseveram que, embora não apontados os proveitos obtidos pelo apelado enquanto criador de gado em terras públicas, a atividade pecuária de larga escala por ele praticada durante anos restou mais que evidenciada por meio do Laudo de Exame Pericial de Constatação Ambiental de Unidade de Conservação nº 12123/17-IC/RO.
Argumentando que postularam a imputação de indenização por danos ambientais e morais difusos, ressaltam que os valores pleiteados foram tecnicamente fundamentados na valoração de perdas e danos praticados em mais de vinte e um hectares da Reserva, sendo ilógico não aplicar quaisquer das medidas indenizatórias requeridas, inclusive, aplicando-se medida alternativa à indenização que sequer foi requerida nos autos.
Dizem que imputar obrigação de apresentar e executar Plano de Recuperação Ambiental sem a responsabilização por descumprimento está longe de atender, ou substituir, de forma justa e razoável, o que foi pleiteado.
Alegando que o dano ambiental afetou toda a coletividade, sustentam que o apelado deve ser condenado a reparar o dano ambiental, bem como a pagar indenização por dano moral coletivo. Anotam que o dano causado pelo apelado prejudicou a coletividade e o meio ambiente, citando como impactos extermínio do ecossistema e biodiversidade, dano ao solo, à flora e fauna.
Ressaltam que, decorrência da degradação ambiental, houve perda significativa da qualidade ambiental para as futuras gerações, sendo a indenização o meio de compensação necessária, devendo o apelado indenizar a coletividade pela impossibilidade de desfrutar de meio ambiente ecologicamente equilibrado, id. 8962883 e 8962884.
Em contrarrazões, o apelado bate-se pela manutenção da sentença, id. 8962887.
Oficiou no feito o e. Procurador de Justiça Eriberto Gomes Barroso, manifestando-se pelo provimento do apelo, id. 9037322.
É o relatório.
VOTO
Análise do processo evidencia ter o Ministério Público, em conjunto com o Estado de Rondônia, ajuizado ação civil pública contra José Alves Pereira, noticiando, para tanto, ocupação ilegal para fins de exploração agropecuária em área situada na Reserva Extrativista Jaci-Paraná.
Extrai-se do processo que o conhecimento da ocupação ilegal deu-se com o indeferimento de pedido de licenciamento ambiental que formalizou o apelado perante a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental, em setembro/2010.
Alegando desmatamento da floresta nativa e implantação de pastagens para criação de gado, o Parquet e o Estado de Rondônia requereram a desocupação da área, a retirada dos animais, a indisponibilidade de bens, a destruição das benfeitorias construídas no interior da Reserva, bem como a imposição de o requerido/apelante pagar indenização pelos danos ambientais e morais causados.
O magistrado originário, julgando parcialmente procedente o pleito inicial, declarou o direito de o Estado reintegrar-se na área e, como consequência, impôs a José Alves Pereira apresentar projeto de recuperação ambiental visando à recomposição da floresta nativa, bem como providenciar a retirada de semoventes que estejam na Reserva Extrativista Jaci-Paraná e, sem direito à indenização, destruir as benfeitorias, deixando de impor, entretanto, o dever de indenizar pelo dano ambiental causado e, ainda, dano moral difuso e coletivo, pois entendeu que a omissão estatal em fiscalizar a área contribuiu, por longo período, para a ocupação ilegal da reserva.
Como cediço, os danos ambientais têm natureza propter rem, ou seja, vinculam-se ao objeto tutelado e não ao sujeito, de modo que não importa quem foi o causador do dano, pois a degradação adere ao título de domínio ou posse, de modo que o detentor ou o possuidor da área será responsabilizado pelos danos causados. Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. […] Conforme jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, os deveres associados às Áreas de Preservação Permanente têm natureza de obrigação ‘propter rem’, ou seja, aderem ao título de domínio ou posse, podendo ser imputada tanto ao proprietário quanto ao possuidor, independentemente de quem tenha sido o causador da degradação ambiental (AgInt no AREsp. 1.031.389/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 27.3.2018; REsp. 1.622.512/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 11.10.2016) […] (AgInt no Ag em REsp nº 819.176, Primeira Turma, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 20.09.2018)
Apelação. Ação civil pública. Dano ambiental. Obrigação de natureza ‘propter rem’. Desmatamento e atividade agropecuária em unidade de conservação. Danos morais coletivos. Lesão a sentimento difuso ou coletivo. Ausência de comprovação. Danos morais difusos: incabíveis. Recurso parcialmente provido. 1. Conforme precedentes jurisprudenciais os deveres associados às Áreas de Preservação Permanente ou reservas ambientais têm natureza de obrigação ‘propter rem’, ou seja, aderem ao título de domínio ou posse, podendo ser imputada tanto ao proprietário, quanto ao possuidor, independentemente de quem tenha sido o causador da degradação ambiental. 2. Considerando o conjunto probatório produzido autos, entende-se que a condenação imposta, a título de reparação de dano ambiental, lastreado em Parecer técnico firmado por profissionais habilitados, mostra-se adequada aos patamares da razoabilidade e proporcionalidade. […] (TJRO, AC nº 7028134-67.2016.822.0001, 2ª Câmara Especial, Rel. Hiram Souza Marques, j. 09.07.2019)
O cenário probatório revela que houve exploração diversa da prevista no permissivo legal, não se tratando, pois, de extrativismo com o fim de explorar recursos naturais de forma racional e sustentável; pelo contrário, análise do processo revela desmate em grandes proporções para fins de criação de gado e, a esse respeito, consta do Parecer Técnico nº 053/2015/CAOPMA/MPRO que, na área, 21,7958 hectares foram destinados desmatados (id. 8962630).
Nessa senda, como bem determinou o magistrado originário, por prevalência do interesse da proteção ambiental, forçoso, a retirada dos animais da área, pois, como dito, não se adequam às finalidades da reserva.
Análise do processo revela, ainda, que não se comprovou que o imóvel esteja atendendo às exigências estabelecidas para a unidade de conservação extrativista, o que, inclusive, justificou o indeferimento do pedido de licenciamento feito pelo apelado.
A toda evidência, a atividade agropecuária por ele exercida não se insere no conceito de atividade extrativista, que restringe-se à lida familiar de subsistência, de criação de animais de pequeno porte e às de coleta de produtos naturais.
Em casos análogos, tal como decidiu o magistrado originário, esta e. Corte se pronunciou pela saída de posseiro de imóvel nessa reserva extrativista e o fez ao fundamento que estava ele a exercer atividade lá não permitida, verbis:
Apelação cível. Reintegração de posse. Alegação de cerceamento de defesa. Ausência de alegações finais. Inocorrência de prejuízo. Área de reserva ambiental. Ocupação irregular de bem público. Inexistência de direito à indenização pelas acessões. Honorários de sucumbência. Justiça gratuita. Mera suspensão do dever de pagamento. Observado o contraditório no decorrer do processo e não restando demonstrado qualquer prejuízo às partes, a ausência de apresentação de alegações finais não configura cerceamento de defesa. Impossível o reconhecimento do direito de reintegração de posse quando demonstrada que a área em questão é de reserva extrativista e que o interessado exerce atividades não permitidas no local. Não é cabível o pagamento de indenização por acessões ou benfeitorias na hipótese em que o particular ocupa, irregularmente, área pública, pois o imóvel público é insuscetível de usucapião, de modo que o particular jamais poderá ser considerado como possuidor, senão mero detentor, sendo irrelevante falar-se em posse de boa ou má-fé. O benefício da assistência judiciária gratuita não isenta a parte do pagamento dos ônus sucumbenciais, ficando apenas suspensa a obrigação até que cesse a situação hipossuficiente do beneficiário ou caso decorridos cinco anos da sentença final, quando consumada a prescrição. (AC nº 00373487420078220016, Rel. Des. Waltenberg Junior, j. 26.07.2011).
Administrativo, Ambiental e Processual Civil. Mandado de segurança. Exigência de prova pré-constituída. Reserva extrativista. Ocupação irregular. Destinação diversa da exigida legalmente. Notificação para retirada do local. Legalidade do ato. Ausência do direito ao devido processo legal. Inexistência de direito líquido e certo. Nas ações mandamentais, o direito alegado deve vir socorrido de prova pré-constituída, porquanto, nesta sede estreita, incabível a dilação probatória. Os atos administrativos, em geral, gozam de presunção de legitimidade e veracidade, de tal modo que a parte deve fazer prova irrefutável de que o ato está desconforme com o direito, prova sem a qual milita probatoriamente em desfavor da parte contestante. A destinação diversa de ocupação extrativista enseja a retirada do ocupante irregular, cujo ato é manifestamente legal. Aquele que não obtém pessoalmente licença ambiental para exploração extrativista, e a exerce à margem da legalidade, já que adquirida de terceiro, não tem o direito subjetivo à existência formal de processo administrativo, porquanto não tem direito incorporado ao seu patrimônio jurídico a ponto de impor o poder-dever à Administração Pública de revogar ou anular o ato mediante o devido processo legal, haja vista que a ilegalidade não confere direitos aos ilegais. (AC nº 00005194620118220019, Rel. Des. Rowilson Teixeira, j. 06.09.2012, no mesmo sentido me manifestei na AC nº 0001360-98.2012.8.22.0021 e AC nº 0003893-93.2013.8.22.0021)
Anote-se que não se está a ofuscar o constitucional direito de ir e vir, tampouco a afirmar a impossibilidade de ocupação das reservas extrativistas, e sim que se faz necessário que nela seja praticado o extrativismo legalmente previsto, bem como nela sejam criados animais de pequeno porte, o que, convenha-se, não é o caso do apelado.
Nesse contexto, evidenciado o dano ambiental, impõe-se ao recorrido José o dever de indenizar, o que revela, a mais não poder, imperiosa reforma da sentença.
Diante disso, há que se considerar que há no processo manifestação técnica a respeito da valoração do dano ambiental, com estimativa de preço para recuperação de floresta desmatada (Parecer Técnico nº 001/CAOP-MA/MP/2016, id. 8962626).
Extrai-se dessa manifestação que o custo por hectare é de R$18.087,53 o que implica, considerando o volume do desmatamento (id. 8962630), em indenização de R$394.232,18.
Nesse contexto, pela marcada relevância, tenho que o cálculo elaborado pelo setor especializado do Parquet merece acolhida, pois balizado por método adotado para valorar indenizações por danos ambientais em casos semelhantes.
Ressalte-se ainda, pela pertinência, que a esse valor deve ser acrescido juros moratórios de um por cento ao mês a partir da citação e correção monetária a partir do evento danoso, devendo todo valor arrecadado ser destinado ao Fundo Estadual do Meio Ambiente, para auxiliar na recuperação dos danos ambientais existentes na Reserva Extrativista Jaci-Paraná.
Lado outro, no que se refere ao dano moral coletivo, imperioso considerar que o Superior Tribunal de Justiça passou a reconhecer a possibilidade de ofensa a sentimento coletivo em razão de lesão a direito de natureza difusa e coletiva (REsp nº 636.021/RJ, Nancy Andrighi, j. 02.10.2008). Assim decide fazendo interpretação sistemática da Constituição Federal e com lastro em previsão expressa na Lei da Ação Civil Pública e Código de Defesa do Consumidor.
Em consonância com a teoria da responsabilidade civil, a finalidade da indenização do dano moral coletivo é amenizar as consequências do ato que atinge proporções de valores éticos e morais da coletividade.
De igual modo, impõe-se considerar que, na visão do Superior Tribunal de Justiça, para que se configure dano moral coletivo não se faz necessário observar os requisitos próprios do dano moral individual (REsp nº 1.057.274/RS, Eliana Calmon, j. 01.12.2009).
Vistoso, pois, que em se tratando de dano moral coletivo, como não poderia ser diferente, a lesão ocorre na esfera da coletividade, o que se denomina direitos difusos e coletivos.
Segundo Édis Milaré, os direitos difusos e coletivos têm como característica a indeterminação dos sujeitos titulares – unidos por um vínculo meramente de fato –, a indivisibilidade ampla, a indisponibilidade, a intensa conflituosidade, a ressarcibilidade indireta – o quantum debeatur vai para um fundo (Ação Civil Pública – Lei 7.347/85, reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação, RT, pp. 92/93).
No caso em comento, a indenização em decorrência de dano moral coletivo postulada funda-se na ocupação ilegal de unidade de conservação ambiental, notadamente no que se refere ao desmatamento, para fins de criação de gado, promovido pelo apelado na Reserva Extrativista Jaci-Paraná.
O dano moral coletivo, por não se confundir com dano moral puro, necessita de prova pré-constituída, pois não tem como ser presumido. Na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, faz-se imprescindível que seja produzida prova clara e irrefutável de que a atuação do agente tenha causado lesão efetiva ao titular do interesse difuso, ou coletivo, verbis:
Nada obstante, e apenas ‘obiter dictum’, há de se considerar que, no caso concreto, o autor não demonstra de forma clara e irrefutável o efetivo dano moral sofrido pela categoria social titular do interesse coletivo ou difuso, consoante assentado pelo acórdão recorrido (…) Entretanto, como já dito, por não se tratar de situação típica da existência de dano moral puro, não há como simplesmente presumi-la. Seria necessária prova no sentido de que a Municipalidade, de alguma forma, tenha perdido a consideração e a respeitabilidade e que a sociedade uruguaiense efetivamente tenha se sentido lesada e abalada moralmente, em decorrência do ilícito praticado, razão pela qual vai indeferido o pedido de indenização por dano moral. (REsp nº 821.891, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 12.05.2008)
No mesmo sentido:
Apelação cível. Ação civil pública ambiental. Derrame de propaganda eleitoral na urbe. Responsabilidade solidária dos partidos políticos. Dano moral coletivo não evidenciado. Todos os partidos políticos e coligações respondem solidariamente pelos excessos cometidos pelos seus candidatos e adeptos na realização da propaganda política. O dano moral coletivo exige comprovação de efetivo prejuízo, repercussão no sentimento difuso ou coletivo da comunidade local, por não se tratar de dano ‘in re ipsa’. (TJRO, AC nº 0000262-21.2011.822.0019, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Rowilson Teixeira, j. 10.04.2019)
Quanto à configuração do dano moral coletivo se no âmbito do direito individualizado, em que se examina com profundidade o caso concreto trazido por específica pessoa, o abalo moral deve estar amplamente evidenciado, não se tolerando a conclusão de que aborrecimentos ou sentimentos de repúdio configuram abalo moral. Assim, o dano moral coletivo pressupõe a demonstração de caso grave, seja no tocante à percepção individualizada de cada vítima, ou mesmo no que pertine à carga de valores que cerca determinado grupo, de ordem social, econômica ou cultural. E, neste particular, tal como aventado pelo magistrado de piso, não verifico que os fatos narrados na inicial tenham potencial de causar danos morais à coletividade. (TRF 1ª Região, AC nº 0001934-32.2014.4.01.3817, Sexta Turma, Rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques, j. 24.10.2016)
Análise do processo evidencia que o Ministério Público e o Estado de Rondônia, para provar o alegado se valeram a) de parecer de valoração de dano ambiental, com estimativa de preço para recuperação de floresta desmatada (Parecer Técnico nº 001/CAOP-MA/MP/2016, id. 8962626); b) de parecer técnico, documento integrante do inquérito civil (id. 8962630); c) de carta imagem do lote de 2010 (id. 8962630); d) de carta imagem elaborada em 2014, revelando área de mais de 21 hectares de desmate entre 2004 e 2010 (id. 8962631); e) de parecer que trata do indeferimento do pedido de licenciamento ambiental (id. 8962630); f) levantamento situacional que retrata a ocupação da área pela apelante, evidenciando que mais de 20 hectares são destinados à atividade agropecuária (id. 8962628).
O Ministério Público e o Estado de Rondônia, in casu, enfatizaram que entre 2004 e 2010, cerca de 21,7958 hectares de floresta nativa, pelo apelado, foram desmatadas para plantio de pasto para criação de gado (id. 8962625).
Em que pese comprovado que efetivamente a área foi degradada, decorrência do desempenho de atividade incompatível com os objetivos da unidade de conservação, imperioso ressaltar que, nos contornos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para ser possível a condenação por danos morais ambientais, deve haver prova no sentido de que os danos causaram mácula ao sentimento difuso e coletivo, verbis:
[…] 2. A condenação em reparar o dano moral coletivo visa punir e inibir a injusta lesão da esfera moral de uma coletividade, preservando, em ‘ultima ratio’, seus valores primordiais. Assim, o reconhecimento de dano moral coletivo deve se limitar às hipóteses em que configurada grave ofensa à moralidade pública, sob pena de sua banalização, tornando-se, somente, mais um custo para as sociedades empresárias, a ser repassado aos consumidores. 3. No caso concreto, não restou configurada a grave ofensa à moralidade pública a ensejar o reconhecimento da ocorrência de dano moral coletivo. 4. Recurso especial provido. (REsp 1303014 RS, Min. Luís Felipe Salomão, j. 18.12.2014)
Convenha-se, no caso posto para exame, não há comprovação de que o desmatamento e o desempenho de atividades agropecuárias, por si só, ensejaram ofensa ao sentimento difuso ou coletivo ou redução da qualidade de vida da população local, a justificar, pois, condenação em danos morais ambientais coletivos.
Nesse sentido, aliás, já decidiu esta c. Corte:
[…] 4. Em consonância com a teoria da responsabilidade civil, a finalidade da indenização do dano moral coletivo é amenizar as consequências do ato que atinge proporções de valores éticos e morais da coletividade. 5. Para se configurar dano moral coletivo, a ofensa ao meio ambiente deve ultrapassar o limite de tolerância, e que o dano tenha atingido efetivamente valores coletivos (AC nº 7016087-61.2016.8.22.0001, 1ª Câmara Especial, de minha relatoria, j. 29.09.2019).
Apelação. Ação Civil Pública. Reserva Extrativista Jaci Paraná. Degradação ambiental. 1. A Reserva Extrativista Rio Jaci-Paraná, criada pelo Decreto 7.335/96 como unidade de conservação e área de preservação permanente, foi, nos termos do art. 225, §1º, I, II, III e VII da CF, destinada a garantir meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida e, para tanto, a lei restringiu as formas de exploração da área. 2. Demonstrada a prática de atividade contrária à finalidade tratada na Lei 9.985/2000, bem como não se tratar de parte enquadrada como população tradicional, está assente o dever de reparação dos danos ambientais e retirada da área ilegalmente ocupada. 3. O dano moral coletivo se dá quando a conduta agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na consciência coletiva, o que não se observa no caso em apreço. 4. Recurso parcialmente provido. (AC nº 7018356-73.2016.822.0001, 1ª Câmara Especial, Rel. Eurico Montenegro, j. 03.12.2018, destaquei)
Ação civil pública. Dano ambiental. Invasão de reserva. Mata nativa. Área de preservação. Recuperação do dano material. Dano moral coletivo. Ausência de comprovação. O desmatamento de mata nativa configura dano ambiental e impõe recuperação da área devastada, podendo ocorrer a esteira da razoabilidade, com a prática de ações que permitam a recuperação ambiental da área ocupada, sem que a necessidade de desocupação do local. O dano moral ambiental coletivo exige, além da agressão ao meio ambiente, repercussão no sentimento difuso ou coletivo da comunidade local, por não se tratar de dano ‘in re ipsa’. (AC nº 0016894-74.2014.8.22.0001, 1ª Câmara Cível, Rel. Raduan Miguel Filho, j. 24.04.2018, destaquei)
Apelação. Ação civil pública. Dano ambiental. Desmatamento. Atividade agropecuária. Unidade de conservação. Danos morais coletivos. Lesão a sentimento difuso ou coletivo. Ausência de comprovação. Danos extrapatrimoniais incabíveis. Recurso não provido. Na esteira de entendimento do STJ, o dano moral coletivo em matéria ambiental somente é cabível quando o dano ultrapassa os limites do tolerável e ofende, efetivamente, valores e sentimentos da comunidade em geral. ‘In casu’, em que pese o desmatamento e o exercício de atividades agropecuárias, não há comprovação de que tais atividades, dada a sua reduzida extensão e informalidade, tenham, por si sós, lesado sentimento difuso ou coletivo ou redução da qualidade de vida da população local a justificar a condenação em danos morais ambientais coletivos. (AC nº 7018378-34.2016.822.0001, 2ª Câmara Especial, Rel. Roosevelt Queiroz Costa, j. 25.02.2019, destaquei)
Apelação. Ação civil pública. Dano ambiental. Obrigação de fazer e indenização. Desmatamento e atividade agropecuária em unidade de conservação. Danos morais coletivos. Lesão a sentimento difuso ou coletivo. Ausência de comprovação. Danos extrapatrimoniais incabíveis. Responsabilidade de recomposição do dano. Natureza ‘propter rem’. Recursos improvidos. Na esteira de entendimento do STJ, o dano moral coletivo em matéria ambiental somente é cabível quando o dano ultrapassa os limites do tolerável e ofende, efetivamente, valores e sentimentos da comunidade em geral. ‘In casu’, em que pese o desmatamento e o exercício de atividades agropecuárias, não há comprovação de que tais atividades, dada a sua reduzida extensão e informalidade, tenham, por si sós, lesado sentimento difuso ou coletivo ou redução da qualidade de vida da população local, a justificar a condenação em danos morais ambientais coletivos. Sendo a natureza do dano ambiental ‘propter rem’, isto é, adere ao título de domínio ou posse, a demonstração de que o dano foi efetivamente praticado pelo réu não será necessário, visto que a posse ou a detenção do bem degradado já impõem a este a sua recuperação. (AC nº 7030081-59.2016.822.0001, 2ª Câmara Especial, Rel. Roosevelt Queiroz Costa, j. 20.05.2019)
Apelação. Ação civil pública. Dano ambiental. Obrigação de natureza ‘propter rem’. Desmatamento e atividade agropecuária em unidade de conservação. Danos morais coletivos. Lesão a sentimento difuso ou coletivo. Ausência de comprovação. Danos morais difusos: incabíveis. Recurso parcialmente provido. 1. Conforme precedentes jurisprudenciais os deveres associados às Áreas de Preservação Permanente ou reservas ambientais têm natureza de obrigação ‘propter rem’, ou seja, aderem ao título de domínio ou posse, podendo ser imputada tanto ao proprietário, quanto ao possuidor, independentemente de quem tenha sido o causador da degradação ambiental. 2. Considerando o conjunto probatório produzido autos, entende-se que a condenação imposta, a título de reparação de dano ambiental, lastreado em Parecer técnico firmado por profissionais habilitados, mostra-se adequada aos patamares da razoabilidade e proporcionalidade. 3. Entende esta C. Corte que o decreto que criou a RESEX – Reserva Extrativista Estadual Jaci Paraná é válido. 4. Segundo o STJ que, o dano moral difuso em matéria ambiental somente é cabível quando o dano ultrapassa os limites do tolerável e ofende, efetivamente, valores e sentimentos da comunidade em geral. ‘In casu’, em que pese o desmatamento e o exercício de atividades agropecuárias, não há comprovação de que tais atividades, dada a sua reduzida extensão e informalidade, tenham, por si sós, lesado sentimento difuso ou coletivo ou redução da qualidade de vida da população local, a justificar a condenação em danos morais ambientais coletivos. (AC nº 7028134-67.2016.822.0001, 2ª Câmara Especial, Rel. Hiram Souza Marques, j. 09.07.2019)
Apelação cível. Ação civil pública. Dano ambiental. Reserva extrativista Jaci Paraná. Reparação. Obrigação ‘propter rem’. Comprovado que houve desmatamento ilegal em área de reserva extrativista, a configurar dano ambiental, impõe-se a recuperação da área pelo proprietário e/ou causador do dano, uma vez que se trata de obrigação ‘propter rem’. Diante da ausência de provas de que o dano ambiental causado pelo apelado gerou ofensa à coletividade, o dano moral coletivo deve ser indeferido. (AC nº 0002797-72.2015.822.0021, 1ª Câmara Cível, Rel. Rowilson Teixeira, j. 18.07.2019)
Nesse contexto, impossível, por mais boa vontade que se possa ter, fixar indenização por dano moral coletivo nos moldes postulados pelo Parquet e pelo Estado de Rondônia.
Por todo o exposto, dou parcial provimento ao apelo para impor ao apelado José Alves Pereira R$ 394.232,18 a título de indenização a ser revertida ao Fundo Estadual do Meio Ambiente em decorrência dos danos ambientais causados, devendo, sobre esse valor, incidir juros e correção conforme aqui decidido.
É como voto.