Jurisprudência

Construção. Distância de curso d’água. Tema 1.010 do STJ

TJSC
Área de preservação permanente

MEIO AMBIENTE – CONSTRUÇÃO – DISTÂNCIA DE CURSO D’ÁGUA – TEMA 1.010 DO STJ – COMPREENSÃO RESTRITIVA – PREPONDERÂNCIA DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL – NÃO INCIDÊNCIA DA LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO – IRRELEVÂNCIA DO FATO CONSUMADO, DE SE TRATAR DE ÁREA URBANA CONSOLIDADA OU DE LEI LOCAL – MODIFICAÇÕES DA LEI 14.285/2021 QUE DEPENDEM DE NOVA INICIATIVA LEGISLATIVA DOS MUNICÍPIOS – RESSALVA QUANTO À REURB POR NORMA MUNICIPAL – ASPECTO QUE ULTRAPASSA OS LIMITES DESTE PROCESSO – INCOMPATIBILIDADE COM O RITO DO MANDADO DE SEGURANÇA – REMESSA NECESSÁRIA PROVIDA ADITADA DE OBITER DICTUM.

1. Este Tribunal de Justiça entendia que, no aparente conflito entre o Código Florestal (o antigo e o novo: Leis 4.717/65 e 12.651/2019) e a Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/79), preponderava por especialidade o segundo em relação à distância entre construções e cursos d’água (os usuais 30m cediam aos 15m da lei de 1979). Pesava-se a circunstância de se tratar de área urbana consolidada, uma submissão, nem sempre confessada, ao fato consumado.

2. Essa compreensão está superada pelo Tema 1.010 do STJ: “Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade”. Também a Súmula 613 do STJ vai de encontro à visão liberal: “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental”.

3. Leis municipais em sentido diverso não superam esse aspecto, ao menos pela redação original da Lei 12.651/2012: “O município é competente para legislar sobre o meio ambiente com a União e o Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da Constituição Federal)” (Tema 145 do STF) Aliás, as recentes modificações ao Código Florestal promovidas pela Lei 14.285/2021, por meio das quais os municípios são agora autorizados a instituir faixas de APP distintas da lei federal em áreas urbanas consolidadas, carecem de novas iniciativas legislativas dos entes locais.
Somente a partir da vigência da norma federal modificativa é que a União, detentora da prerrogativa para dispor sobre as regras regrais quanto ao meio ambiente (art. 24, inc. VI, da CF), passou a admitir a participação dos municípios na definição das áreas de preservação permanente naquele cenário delimitado. Antes desse marco, então, não poderiam os entes locais legislar em sentido diverso por afrontar abertamente diretriz genérica estabelecida pela União. Afasta-se, enfim, a hipótese de uma constitucionalidade superveniente.

4. O Tema 1.010 do STJ, entretanto, expressamente afastou do seu espectro a eventual aplicação da Reurb – a Regularização Fundiária Urbana, ressalvada pelo vigente Código Florestral  (art. 65-A aditado pela Lei 13.465/2017, que aborda genericamente da Reurb) por se cuidar de perspectiva alheia aos limites do processo então em julgamento.

5. O caso concreto não permite esse enveredamento, que é estranho à causa de pedir e é também incompatível com os limites probatórios do mandado de segurança. Em tese, o autor pode pleitear administrativa ou judicialmente a incidência da Lei Complementar 107/2018 do Município de Gaspar. Poderá, outrossim, buscar a aplicação de eventual novo regramento local incidente sobre APP em área urbana consolidada, nos termos da Lei 14.285/2021.

6. Remessa necessária provida: a partir do Tema 1.010 o pedido (nas suas específicas fronteiras) é improcedente. (TJSC, Remessa Necessária Cível n. 0300580-14.2015.8.24.0025, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 15-02-2022).

RELATÓRIO

Adoto o relatório que consta do parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: Cuida-se de remessa necessária em mandado de segurança impetrado por Osmar Silvio Spengler em face de ato do Secretário de Planejamento e Desenvolvimento Urbano do Município de Gaspar, considerando o indeferimento de sua consulta de viabilidade para emissão de habite-se em favor de imóvel antigo.

Disse o impetrante, nesse sentido, que é proprietário de imóvel localizado no centro do Município de Gaspar, no qual foi edificado um pequeno edifício no ano de 1975, tendo-se estabelecido condomínio em relação às unidades comerciais e residenciais instituídas.

Entretanto, em vista da descrição precária do imóvel junto à matrícula n. 1.664 do Ofício de Registro de Imóveis de Gaspar e da averbação irregular do condomínio, buscou junto ao município a autorização para a regularização da situação.

Ocorre que o Município, dentre outros problemas burocráticos, indicou a impossibilidade de análise do pedido porque o imóvel não observa o distanciamento do curso da água imposto pelo Código Florestal. Em vista do exposto, o interessado requereu a concessão da segurança para reconhecer que não é possível a aplicação da referida legislação considerando que o imóvel se encontra em área urbana consolidada (Evento 1 dos autos de primeiro grau).

Após o trâmite processual, a sentença de mérito reconheceu que o imóvel fora edificado antes do Código Florestal, razão pela qual é irregular a sua aplicação para emissão das autorizações administravas necessárias. Ademais, os aspectos burocráticos do indeferimento não merecem prosperar.

Foi, assim, concedida a segurança, a fim de determinar que o Município promova nova análise do pedido de viabilidade de regularização do imóvel (Evento 26 dos autos de primeiro grau). Por força do reexame, ascenderam os autos ao Tribunal de Justiça, de onde foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça para análise e manifestação (Evento 43 dos autos de primeiro grau).

Ocorre que durante o trâmite da ação no segundo grau houve a afetação do tema 1010 pelo Superior Tribunal de Justiça, onde era discutida a aplicação da Lei de Parcelamento do Solo Urbano ou do Código Florestal para edificação às margens de curso da água em áreas urbanas consolidadas. Em vista do fato, a tramitação do presente mandado de segurança foi suspensa por decisão do Des. Relator (Evento 23).

Por fim, considerando o julgamento definitivo do recurso repetitivo anteriormente indicado, abriu-se vista para manifestação das partes acerca da decisão (Evento 33). O Município de Gaspar sustentou o provimento da remessa necessária (Evento 39) e o impetrante não se manifestou (Eventos 36-38). Adito que o Ministério Público opinou pelo desprovimento da remessa necessária.

VOTO

1. O impetrante busca o afastamento das restrições ambientais impostas em âmbito local para a regularização da edificação sobre seu imóvel. A tese essencial vai no sentido de que o bem está inserido em área urbana consolidada. Aliás, as sucessivas intervenções no curso hídrico objeto da polêmica desnaturaram absolutamente as funções ecológicas que poderia desempenhar. Seria desproporcional condicionar a intervenção no espaço à observância dos recuos previstos no Código Florestal como área de preservação permanente.

É plausível que o imóvel efetivamente se insira na área urbana consolidada do Município. Há fotos representativas dessa versão (Evento 1, Informação 6) e a própria Administração não nega o enquadramento nas informações prestadas e em manifestação expedida por seu setor técnico (Evento 18).

Em casos como o presente, a jurisprudência desta Corte tradicionalmente considerava viável o afastamento das estritas disposições consignadas no Código Florestal (em seu texto original), fazendo incidir os preceitos contidos na Lei de Parcelamento do Solo. Dentre tantos julgados destaco estes:

A) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO DE RENOVAÇÃO DE ALVARÁ DE LICENÇA PARA CONSTRUIR INDEFERIDO SOB FUNDAMENTO DE QUE O PROJETO DEVERIA RESPEITAR O RECUO DE 30 (TRINTA) METROS DA MARGEM DO RIO CRICIÚMA, CONFORME PREVÊ O CÓDIGO FLORESTAL. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO AUTOR. ÁREA URBANA CONSOLIDADA. OBSERVÂNCIA DA LEI DE PARCELAMENTO DE SOLO URBANA EM RAZÃO DA SUA ESPECIALIDADE. RECUO MÍNIMO EXIGIDO QUE É DE 15 (QUINZE) METROS, CONFORME ESTABELECIDO NO ALVARÁ ANTERIORMENTE CONCEDIDO. PRECEDENTES NESTA CORTE. SENTENÇA REFORMADA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RENOVAÇÃO DO ALVARÁ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (AC n. 0004784-29.2014.8.24.0020, de Criciúma, rel. Artur Jenichen Filho)

B) REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSULTA DE VIABILIDADE PARA AMPLIAÇÃO DE CONSTRUÇÃO. IMÓVEL NO CENTRO DA CIDADE. PEDIDO INDEFERIDO PELO MUNICÍPIO SOB ARGUMENTO DE APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 12.651/2012. IMPOSIÇÃO DE RECUO DE CURSO D’ÁGUA DE 50 METROS. IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA URBANA. COMPROVAÇÃO DE ANTROPIZAÇÃO. AMPLIAÇÃO DE CONSTRUÇÃO EXISTENTE, COM DISTANCIAMENTO PROJETADO DE 46,44 METROS DA MARGEM DO RIO ITAJAÍ DO SUL. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTE TRIBUNAL QUE RECOMENDA A APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 6.766/1979 EM CONSIDERAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA QUE CONCEDEU A SEGURANÇA CONFIRMADA. (…) (RN n. 0300114-59.2017.8.24.0054, de Rio do Sul, rel. Jaime Ramos)

C) REEXAME NECESSÁRIO. AMBIENTAL. NEGATIVA DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO PELO MUNICÍPIO. IMÓVEL SITUADO A MENOS DE 30M (TRINTA METROS) DE LEITO DE RIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL (LEI N. 12.651/2012). IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA URBANA CONSOLIDADA. INCIDÊNCIA DA LEI DE PARCELAMENTO DE SOLO URBANO (LEI Nº 6.766/1979), QUE PREVÊ AFASTAMENTO DE 15M (QUINZE METROS) DAS ÁGUAS CORRENTES. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. REEXAME DESPROVIDO. (…) (RN n. 0300606-94.2016.8.24.0051, de Ponte Serrada, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz)

D) REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÕES. CONCESSÃO DA ORDEM NA ORIGEM. CONSULTA DE VIABILIDADE E ALVARÁ PARA CONSTRUIR. EDIFICAÇÃO DE TELHEIRO EM TERRENO LOCALIZADO A 80 (OITENTA) METROS RIO ITAJAÍ-AÇU. INDEFERIMENTO PELA MUNICIPALIDADE. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO FLORESTAL. IMÓVEL INTEGRANTE DE ÁREA URBANA CONSOLIDADA. AUSÊNCIA DE ESTUDO SÓCIO-AMBIENTAL QUE, DE MANEIRA EXCEPCIONAL E NO CASO CONCRETO, NÃO OBSTA O DIREITO DO PARTICULAR. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO (LEI N. 6.766/79) E PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE RIO DO SUL (LCM N. 163/06), QUE IMPÕEM O AFASTAMENTO DE 15 (QUINZE) METROS DO LEITO DO RIO. PRECEDENTES DESTA CORTE. SENTENÇA CONFIRMADA. REMESSA OFICIAL CONHECIDA, MANTIDO O DECISUM. (RN n. 0306531-62.2016.8.24.0054, de Rio do Sul, rel. Des. Odson Cardoso Filho)

E) AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSULTA DE VIABILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE SEGUNDO PAVIMENTO EM IMÓVEL SITUADO ÀS MARGENS DE RIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INDEFERIMENTO PELO ENTE MUNICIPAL, AO ARGUMENTO DE QUE O CÓDIGO FLORESTAL DEVE PREVALECER SOB A LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. IMPOSSIBILIDADE. IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA URBANA CONSOLIDADA. REGIÃO TOTALMENTE POVOADA. AUSENTES ESTUDOS DO ENTE PÚBLICO QUE COMPROVEM CONDIÇÃO DIVERSA, APESAR DE EXPRESSA RECOMENDAÇÃO MINISTERIAL. NEGLIGÊNCIA QUE NÃO PODE PREJUDICAR O MUNÍCIPE. JURISPRUDÊNCIA UNÍSSONA NO SENTIDO DE ADOTAR O CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (AC n. 0306303-24.2015.8.24.0054, de Rio do Sul, rel. Des. Ronei Danielli)

Posteriormente, porém, o Superior Tribunal de Justiça se pronunciou sobre o assunto.

Ao apreciar o Tema 1.010 da tabela de Recursos Repetitivos, firmou tese em sentido oposto ao entendimento doméstico: “Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade”. Eis a ementa do acórdão paradigma:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA A RESPEITO DA INCIDÊNCIA DO ART. 4º, I, DA LEI N. 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL) OU DO ART. 4º, CAPUT, III, DA LEI N. 6.766/1979 (LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO). DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA FAIXA NÃO EDIFICÁVEL A PARTIR DAS MARGENS DE CURSOS D’ÁGUA NATURAIS EM TRECHOS CARACTERIZADOS COMO ÁREA URBANA CONSOLIDADA.

1. Nos termos em que decidido pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado Administrativo n. 3).

2. Discussão dos autos: Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato de Secretário Municipal questionando o indeferimento de pedido de reforma de imóvel derrubada de casa para construção de outra) que dista menos de 30 (trinta) metros do Rio Itajaí-Açu, encontrando-se em Área de Preservação Permanente urbana. O acórdão recorrido negou provimento ao reexame necessário e manteve a concessão da ordem a fim de que seja observado no pedido administrativo a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979), que prevê o recuo de 15 (quinze) metros da margem do curso d´água.

3. Delimitação da controvérsia: Extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d’água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4°, I, da Lei n. 12.651/2012 (equivalente ao art. 2°, alínea “a”, da revogada Lei n. 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. 4°, caput, III, da Lei n. 6.766/1979.

4. A definição da norma a incidir sobre o caso deve garantir a melhor e mais eficaz proteção ao meio ambiente natural e ao meio ambiente artificial, em cumprimento ao disposto no art. 225 da CF/1988, sempre com os olhos também voltados ao princípio do desenvolvimento sustentável (art. 170, VI,) e às funções social e ecológica da propriedade.

5. O art. 4º, caput, inciso I, da Lei n. 12.651/2012 mantém-se hígido no sistema normativo federal, após os julgamentos da ADC n. 42 e das ADIs ns. 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937.

6. A disciplina da extensão das faixas marginais a cursos d’água no meio urbano foi apreciada inicialmente nesta Corte Superior no julgamento do REsp 1.518.490/SC, Relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 15/10/2019, precedente esse que solucionou, especificamente, a antinomia entre a norma do antigo Código Florestal (art. 2º da Lei n. 4.771/1965) e a norma da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1976), com a afirmação de que o normativo do antigo Código Florestal é o que deve disciplinar a largura mínima das faixas marginais ao longo dos cursos d’água no meio urbano. Nesse sentido: Resp 1.505.083/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, Dje 10/12/2018; AgInt no REsp 1.484.153/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 19/12/2018; REsp 1.546.415/SC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 28/2/2019; e AgInt no REsp 1.542.756/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 2/4/2019.

7. Exsurge inarredável que a norma inserta no novo Código Florestal (art. 4º, caput, inciso I), ao prever medidas mínimas superiores para as faixas marginais de qualquer curso dágua natural perene e intermitente, sendo especial e específica para o caso em face do previsto no art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1976, é a que deve reger a proteção das APPs ciliares ou ripárias em áreas urbanas consolidadas, espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, III, da CF/1988), que não se condicionam a fronteiras entre o meio rural e o urbano.

8. A superveniência da Lei n. 13.913, de 25 de novembro de 2019, que suprimiu a expressão “[…] salvo maiores exigências da legislação específica.” do inciso III do art. 4º da Lei n. 6.766/1976, não afasta a aplicação do art. 4º, caput, e I, da Lei n. 12.651/2012 às áreas urbanas de ocupação consolidada, pois, pelo critério da especialidade, esse normativo do novo Código Florestal é o que garante a mais ampla proteção ao meio ambiente, em áreas urbana e rural, e à coletividade.

9. Tese fixada – Tema 1010/STJ: Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso dágua, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade.

10. Recurso especial conhecido e provido.

11. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015. (REsp 1.770.760/SC, rel. Min. Benedito Gonçalves)

2. É abordagem delimitada sobre o tema, exaurindo o debate envolvendo a aparente antinomia entre o Código Florestal, previamente às recentes alterações trazidas pela Lei 14.285/2021, e Lei de Parcelamento do Solo.

Na linha de raciocínio defendida pela Corte Superior (à qual pessoalmente registro ressalvas, mas que é de acatamento inevitável), no plano federal é o Código Florestal que estipula os espaços protegidos com status de área de preservação permanente, seja em âmbito rural, seja no contexto urbano. São trechos em princípio inalcançáveis à intervenção humana, os quais devem conservar sua função eminentemente ambiental, e cuja proteção não pode ser mitigada sob o argumento da consolidação urbana do local. Em resumo: a tese da desnaturação do espaço por um processo irreversível de antropização, culminando com perda das suas finalidades ecológicas, de modo a afastar os gravames originários impostos pela Lei 12.651/2012, foi rejeitada pela Corte Superior.

Sob essa delimitada ótica, aliás, não poderiam prevalecer leis municipais com conteúdo diverso daquela matriz nacional (ao menos pela abordagem inicial do tema sem as modificações implementadas pela Lei 14.185/2021). A competência para legislar em matéria ambiental, sabidamente, é concorrente (art. 24, inc. VI, CF), tocando à União estabelecer as normas gerais sobre a proteção dos ecossistemas e aos Estados disciplinar na esfera regional, adequando os institutos trazidos em termos mais amplos às especificidades de seu contexto particular.

Aos municípios, não há polêmica, é dado dispor sobre interesses locais (art. 30, inc. I, CF), no que se inclui a tutela do meio ambiente, contanto que guardem deferência aos postulados trazidos pelos entes de maior envergadura; não poderia no mesmo feixe de incidência simplesmente suplantar regra consignada na norma federal ou estadual. Aliás, o Supremo Tribunal Federal ao tratar desse assunto fixou em Repercussão Geral tese no mesmo sentido (Tema 145): “O município é competente para legislar sobre o meio ambiente com a União e o Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da Constituição Federal)”.

3. Os fundamentos trazidos pelo autor para justificar a não incidência do Código Florestal, condicionante fixada pela Administração, chocam-se frontalmente com a compreensão assentada pela Corte Superior naquele precedente vinculante (at. 927, inc. III, CPC).

Defende o impetrante que que seu imóvel se encontra, repito, em área urbana consolidada. Além disso, ponderaram ser injustificável a negativa do habite-se já que atenderam a todos os requisitos exigidos pela municipalidade ao conceder a autorização de construção. A denegação atenta inclusive contra a boa-fé e segurança jurídica, porquanto ostentavam legítimas expectativas à licença final com a prévia autorização. Não somente, destacaram que a intervenção nas proximidades do rio Itajaí-Açu é muito antiga, permeando todo perímetro urbano e contando com anuência tácita do Poder Público. Não poderia, agora, implementar exigência ambiental mais rígida se outrora autorizou a ocupação nos moldes em que se deu. Por conta disso, a Lei 12.651/12 seria inaplicável.

Estes os trechos da inicial que são representativos dessa visão:

 Impetrante é coproprietário de um imóvel localizado na cidade de Gaspar, Rua Coronel Aristiliano Ramos, nº 542. Tal imóvel é constituído por terreno e uma edificação de 02 pavimentos e 01 depósito, construído no ano de 1975, conforme planta aprovada pela prefeitura de Gaspar em 26 de setembro de 1975. (…)

Diante da situação consolidada da construção, bem como a sua destinação, que é residencial e comercial e traz o sustento para a família do Requerente, este possui interesse na regularização do imóvel.

Assim, na intenção de regularizar o imóvel, sendo necessário iniciar o procedimento, o Requerente realizou consulta de viabilidade para regularização. (…) O imóvel do Impetrante localiza-se na Rua Coronel Aristiliano Ramos, Centro da cidade de Gaspar, confrontando aos fundos com o leito do Rio Itajaí Açu. Importante desde já destacar que se trata de área urbana consolidada, com construção existente há mais de 30 anos. (…)

De fato, o imóvel encontra-se em área de APP, todavia, se trata de área urbana consolidada, localizada no Centro da cidade de Gaspar. Assim, necessário que este mandamus analise os parâmetros a serem utilizados quando da analise dos projetos que contemplam área de APP, localizados em área urbanas consolidadas. (…)

Pelos documentos juntados e pelas fotos do imóvel, não há dúvida que o mesmo está inserido em área urbana consolidada, pois preenche todos os requisitos acima. Ainda a respeito da APP, o que existe atualmente é um conflito entre a Lei Federal nº 12.651/2012 – Código Florestal, que determina faixas de preservação permanente de 30 metros e 100 metros, enquanto a Lei Federal nº 6766/1979 – Lei de Parcelamento do Solo Urbano, determina uma faixa “non edificant” de 15 metros. Ambas são leis federais, de igual hierarquia. (…)

Por fim, convém ressaltar, que a obrigação do Impetrado é proceder a consulta, exigindo as correções necessárias, sem causar prejuízo ao Impetrante. Todavia, importante restar estabelecido as normas de aplicação de APP em áreas urbanas consolidadas. Assim sendo, o ato do Impetrado de indeferir a consulta requerida pelo simples motivo de encontrar-se em área de APP não encontra qualquer respaldo legal, caracterizando-se como ato abusivo e ilegal, causando grande lesão ao Impetrante. (…)

Evidenciada a lesão ao direito líquido e certo do Impetrante, a plausibilidade do direito pleiteado (fumus boni iuris), e o periculum in mora, aliados aos fatos e fundamentação discorridos neste mandamus, passa, o Impetrante, a formular os pedidos a seguir: (…)

d) a confirmação da medida liminar acaso deferida, julgando totalmente procedente a presente ação a fim de determinar ao Impetrado que defira a consulta de viabilidade do Impetrante, atribuindo a área de APP os ditames da Lei de parcelamento do solo urbano;

Daí que a solução da causa passa pela denegação da segurança. De fato, é muito sensível que o acionante tenha obtido prévia autorização do Poder Público para a edificação. Existem, todavia, obstáculos muito representativos em se tratando de gravame ambiental. A compreensão corrente da Corte Superior é de que não há um direito adquirido a poluir (v.g. AREsp 920.749/SP, rel. Min. Francisco Falcão), entendimento consolidado por meio da Súmula 613 daquela Corte: “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental”.

Quer dizer, uma inicial anuência em caráter provisório, por mais legítimas que pudessem ser as expectativas criadas por conta do ato liberatório, não teria a aptidão para suplantar as disposições de ordem pública que tratam da proteção ao meio ambiente.

Além disso, não se pode precisar se a antiga construção ainda permanece na disposição na sua conformação original ou mesmo o tipo de intervenção que pretende realizar naquele espaço (se meramente regularização ou mesmo nova edificação). É que na consulta de viabilidade, como mencionado pela Administração, não consta assinalado o tipo de obra pretendido (Evento 18, Ofício 31).

Também não considero ser necessário se aguardar o desfecho do julgamento perante a instância superior. A tese firmada no recurso paradigma tem incidência imediata. Independentemente dos embargos de declaração ainda pendentes de apreciação, a conclusão já externada pelo STJ deve ser reproduzida sobre os casos afetados à questão controvertida.

Aliás, por ocasião de julgamento foi rejeitada explicitamente a perspectiva de modulação dos efeitos da decisão: “o Superior Tribunal de Justiça já determinava a aplicação do antigo Código Florestal (Lei n. 4.771/1965) às áreas urbanas para melhor garantir a proteção das Áreas de Preservação Ambiental nela contidas, conforme precedentes da Primeira e Segunda Turmas. Não houve alteração desse entendimento com a edição do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), que também passou a ser aplicado por esse Tribunal Superior para fins de manter a proteção das Áreas de Preservação Ambiental urbanas. É dizer, não há surpresa ou guinada jurisprudencial a justificar a atribuição de eficácia prospectiva ao julgamento”. É mesmo a jurisprudência da Corte Superior:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. REPERCUSSÃO GERAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. PENDÊNCIA DE EMBARGOS NO RECURSO PARADIGMA. SUSPENSÃO DO PROCESSO NESTA CORTE. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO IMEDIATA DA TESE FIRMADA. 1. A pendência de julgamento de embargos de declaração no recurso paradigma de repercussão geral ou repetitivo não impede o exercício do juízo de retratação e consequente aplicação imediata da tese firmada. 2. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no REsp 1148503/SP, rel. Min. Og Fernandes 4. Estimo que sejam convenientes, todavia, dois esclarecimentos derradeiros.

É que a causa de pedir e pedido consignados neste feito assumem perfil próprio. Pretendeu-se afastar as restrições dispostas no Código Florestal quanto às áreas de preservação permanente ao argumento de a matéria ser regida pela Lei de Parcelamento do Solo, responsável por disciplinar a situação de imóveis que se encontram em área urbana consolidada, digo mais uma vez. É sobre esse viés, por assim dizer, mais delimitado, que se promove a rejeição do pleito: no STJ se considerou inviável a aplicação da Lei 6.766/79, devendo prevalecer as regras consignadas na norma federal ambiental.

Ocorre que lá não se discutiu a possibilidade da… regularização fundiária. É dizer, unidades imobiliárias com pendências ambientais (irregulares, portanto), mas situadas em zonas de “difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos” (art. 11, Lei da Reurb). A própria impetração, como visto, não assume essa conotação, pautando a discussão na negativa de aplicação do Código Florestal pura e simplesmente.

Já a Lei 12.651/2012 traz ressalva pertinente em seu art. 65: “Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana”. O § 2º do preceito inclusive estipula metragem distinta do art. 4º (genericamente considerado pelo precedente paradigma) em caso de aplicação do instituto em âmbito local: “Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado”.

Note-se, contudo, este trecho do voto condutor do julgamento perante a Corte Superior:

Por fim, impõe-se observar que art. 65-A das Disposições Transitórias do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2020), com a redação dada pela Lei n. 13.465, de 2017, dispôs sobre a regularização de núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente, tendo o seu § 2º previsto a manutenção de faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado, o que reafirma a dicção da norma geral do parcelamento urbano (atualmente disciplinada no inciso III-A do art. 4º da Lei n. 6.766/1976). Confira-se:

“Art. 65. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana. “[…]

“§ 2º Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado.”

Entretanto, a hipótese dos autos e a delimitação do Tema 1010/STJ não contempla o exame da sua aplicação para fins de objetivação de tese, pois desborda da controvérsia inicialmente fixada para julgamento, que não trata de regularização fundiária de núcleos urbanos informais.

O precedente vinculante permite, então, tratar da margem de proteção dos cursos hídricos em perímetro urbano partindo de outra perspectiva. Adito que o dispositivo não foi alterado pela recente modificação no Código Florestal promovida pela Lei 14.285/2021.

A norma ambiental ainda admite índice de proteção mais modesto já no contexto da regularização ambiental, a ser disciplinado por lei específica. Nesse particular, a Lei 13.465/17, trazendo normas gerais sobre o tema, igualmente permite o ajuste, condicionando-a, contudo, à realização de estudos técnicos que assegurem a preservação das funções ecológicas da APP: “Constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total ou parcialmente, em área de preservação permanente ou em área de unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela União, Estados ou Municípios, a Reurb observará, também, o disposto nos arts. 64 e 65 da Lei 12.651, de maio de 2021, hipótese na qual se torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos, no âmbito da Reurb, que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso” (art. 11, § 2º). Aliás, pela norma federal incumbe aos municípios prioritariamente a aprovação do projeto (art. 12), assim como a condução dos procedimentos suscitados pelos legitimados:

Art. 30. Compete aos Municípios nos quais estejam situados os núcleos urbanos informais a serem regularizados:

I – classificar, caso a caso, as modalidades da Reurb;

II – processar, analisar e aprovar os projetos de regularização fundiária; e

III – emitir a CRF.

No Município de Gaspar foi publicada a LC 107/2018 dispondo “sobre a delimitação dos núcleos urbanos e núcleos urbanos informais que ocupam área de preservação permanente ao longo dos cursos d’água naturais”. É norma que também propõe medidas para regularização das pendências ambientais, desde que conservem margem mínima de 15 metros dos rios, assim como atendam a medidas compensatórias a serem fixadas pelo órgão ambiental:

Art. 1º Esta Lei Complementar delimita os Núcleos Urbanos (NUr) e os Núcleos Urbanos Informais (NUI) que ocupam área de preservação permanente ao longo de cursos d’água naturais do Município de Gaspar e estabelece medidas para a regularização ambiental de imóveis situados nos NUI.

Art. 2º Para fins de regularização fundiária urbana de Núcleos Urbanos Informais comprovadamente existentes até 22 de dezembro de 2016, que ocupam área de preservação permanente ao longo de cursos d’água naturais, não identificados pelo diagnóstico socioambiental como área de risco geotécnico, de inundação ou de outro risco especificado em lei ou identificado pela Defesa Civil e que não seja de interesse ecológico relevante, será admitida a flexibilização das disposições constantes no artigo 4º da Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, mediante a concessão de Certidão de Regularização Ambiental (CRA) e desde que observados os limites previstos nesta Lei Complementar. (…)

Art. 10 A regularização ambiental de imóveis situados em NUI-APP de Núcleo Urbano, definido nos termos do artigo 5º, incisos II e III, observará o seguinte procedimento:

I – o interessado na regularização ambiental de imóvel titulado ou em processo de regularização fundiária encaminhará requerimento à Superintendência de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, solicitando a emissão de Certidão de Regularização Ambiental (CRA) de NUI-APP;

II – a Superintendência de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável realizará a análise do requerimento indicado no inciso I, para verificar se o imóvel:

a) está localizado em área de relevante interesse ecológico ou de risco geotécnico, de inundação ou outro risco especificado em lei ou identificado pela Defesa Civil, cuja ocupação não seja admitida pela legislação em vigor;

b) está localizado em área identificada como de ameaça, suscetibilidade e vulnerabilidade a risco geotécnico, de inundação ou de outro risco especificado em lei ou identificado pela Defesa Civil e constem estudos técnicos a fim de examinar a possibilidade de sua eliminação, correção ou administração, vedado o aterramento no caso de área inundável;

c) está inserido em NUr-PI;

d) está inserido em NUr-MA, não se tratar de edificação posterior a 22 dezembro de 2016, caso no qual deve ocorrer prévia manifestação favorável do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (CONDEMA), conforme estabelecido no art. 7º desta Lei Complementar;

e) possui edificação que observa o afastamento de 15 (quinze) metros contados desde a borda da calha do leito regular do curso d’água;

f) possui edificação que não observa o afastamento de 15 (quinze) metros contados desde a borda da calha do leito regular do curso d’água;

g) se enquadra, total ou parcialmente, em alguma das seguintes modalidades:

1. possui edificação, munida de Alvará de Construção ou Habite-se;

2. possui edificação, sem Alvará de Construção ou Habite-se;

3. não possui edificações, mas seu proprietário pretende construir nova edificação no local;

4. é objeto de processo de parcelamento urbano em forma de loteamento, desmembramento ou desdobro; e

5. é objeto de uso do solo para fins diversos que os de edificação, incluindo serviços de terraplenagem;

III – verificados os aspectos mencionados no inciso II, a Superintendência de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável irá deferir ou indeferir o requerimento formulado, expedindo Certidão Positiva ou Negativa de Regularização Ambiental para imóvel situado em NUI-APP.

Não se pode descartar aprioristicamente a possibilidade de o imóvel do autor ser enquadrado nesse regime especial. Só que, ao mesmo tempo, essa discussão transcende absolutamente os limites fixados pela causa de pedir e pedido.

5. A Lei 14.285/2021 também trouxe outra possibilidade.

Ao alterar o art. 4º do Código Florestal incluiu parágrafo, atribuindo aos municípios a perspectiva de disciplinar a metragem distinta às áreas de preservação permanentes inseridas nas áreas urbanas consolidadas:

§ 10. Em áreas urbanas consolidadas, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, lei municipal ou distrital poderá definir faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no inciso I do caput deste artigo, com regras que estabeleçam:

I – a não ocupação de áreas com risco de desastres;

II – a observância das diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver; e

III – a previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas devem observar os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta Lei.

Já o art. 3º, em sua nova conformação, explicita os requisitos para caracterização da área urbana como consolidada:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: (…)

XXVI – área urbana consolidada: aquela que atende os seguintes critérios:

a) estar incluída no perímetro urbano ou em zona urbana pelo plano diretor ou por lei municipal específica;

b) dispor de sistema viário implantado;

c) estar organizada em quadras e lotes predominantemente edificados;

d) apresentar uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de edificações residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou direcionadas à prestação de serviços;

e) dispor de, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados:

1. drenagem de águas pluviais;

2. esgotamento sanitário;

3. abastecimento de água potável;

4. distribuição de energia elétrica e iluminação pública; e

5. limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos;

Não consta que o Município de Gaspar já tenha rumado para essa iniciativa. A lei federal indica uma nova frente de atuação aos entes locais, mas ao mesmo tempo condiciona a necessidade prévia oitiva dos “conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente”.

Também não considero que normas municipais anteriores à vigência da modificação implementada pela Lei 14.285/2021, e que eventualmente disciplinassem os marcos de APP sobre os cursos hídricos em perímetros urbanos em termos mais amplos, possam ser dotadas desse novo efeito de excepcionar a regra geral concebida pelo Código Florestal.

Somente a partir da recente lei federal é que a União, detentora da prerrogativa para dispor sobre as regras regrais sobre o meio ambiente (art. 24, inc. VI, da CF), passou a admitir a participação dos municípios na definição das áreas de preservação permanente naquele cenário delimitado. Antes desse marco, então, não poderiam os entes locais legislar em sentido diverso por afrontar abertamente diretriz genérica estabelecida pela União (como estabelecido no Tema 145 da Repercussão Geral, já mencionado anteriormente), até então exaustiva quanto ao espaço territorial especialmente protegido incidente sobre as margens dos rios – e foi justamente nessa linha que se posicionou o Superior Tribunal de Justiça ao definir tese a respeito do Tema 1010 dos Recursos Repetitivos.

Também não se poderia cogitar de uma, por assim dizer, constitucionalidade superveniente, tese rechaçada pela jurisprudência da Suprema Corte:

A) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 120-A E 120-B DA CONSTITUIÇÃO DE SANTA CATARINA, ALTERADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 70, DE 18.12.2014. AUDIÊNCIA PÚBLICA REGIONAL: ESTABELECIMENTO DE PRIORIDADES NO ORÇAMENTO. CARÁTER IMPOSITIVO DE EMENDA PARLAMENTAR EM LEI ORÇAMENTÁRIA. CARÁTER FORMAL DO ORÇAMENTO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA ATÉ AS EMENDAS CONSTITUCIONAIS N. 86/2015 E 100/2019. NORMA ANTERIOR. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. PRECEDENTES.

1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, antes das Emendas Constitucionais n. 86/2015 e n. 100/2019, manifestava-se pelo caráter meramente formal e autorizativo da lei orçamentária.

2. Ao enumerarem percentuais específicos para as emendas impositivas, de execução obrigatória, os §§ 9º a 20 do art. 166 da Constituição da República buscaram compatibilizar a discricionariedade do Executivo e a importância do Legislativo na elaboração do orçamento, harmonizando e reequilibrando a divisão entre os Poderes. As Emendas Constitucionais n. 86/2015 e n. 100/2019 reforçaram o anterior caráter autorizativo das previsões orçamentárias, nos termos da norma constitucional originária, modificada desde as alterações da Constituição da República.

3. A norma questionada, promulgada em 18.12.2014, foi inserida na Constituição de Santa Catarina antes das modificações promovidas no art. 166 da Constituição da República sem observar sequer os limites estipulados pelas Emendas Constitucionais n. 86/2015 e n. 100/2019. Inexistência de constitucionalidade superveniente.

4. Ao impor ao Poder Executivo a obrigatoriedade de execução das prioridades do orçamento a Emenda à Constituição de Santa Catarina n. 70/2014 contrariou o princípio da separação dos poderes e a regra constitucional do caráter meramente formal da lei orçamentária até então em vigor na Constituição da República.

5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar inconstitucionais os arts. 120-A e 120-B da Constituição de Santa Catarina. (ADI 5274, rel.ª Min.ª Cármen Lúcia)

B) DIREITO COSTITUCIONAL E FINANCEIRO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR. NORMAS ESTADUAIS QUE TRATAM DE EMENDAS PARLAMENTARES IMPOSITIVAS EM MATÉRIA ORÇAMENTÁRIA.

1. Ação direta de inconstitucionalidade contra dispositivos da Constituição do Estado de Roraima, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual (para o exercício de 2020) desse mesmo ente federado. As normas impugnadas estabelecem, em síntese, limites para aprovação de emendas parlamentares impositivas em patamar diferente do imposto pelo art. 166, §§ 9º e 12, da CF/1988, com a redação dada pelas Emendas Constitucionais nº 86/2015 e nº 100/2019, e pelo art. 2º da EC nº 100/2019. (…)

4. A figura das emendas parlamentares impositivas em matéria de orçamento público, tanto individuais como coletivas, foi introduzida no Estado de Roraima antes de sua previsão no plano federal, que só ocorreu com as ECs nº 86/2015 e 100/2019. Legislação estadual que dispôs em sentido contrário às normas gerais federais então existentes sobre o tema, o que não é admitido na seara das competências concorrentes. Inexistência de constitucionalidade superveniente no Direito brasileiro. (…) (ADI 6308 MC-Ref, rel. Min. Luís Roberto Barroso)

C) Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos. 6-A, 6-B e 6-C do Decreto nº 29.560/2008. Revogação. Aditamento à petição inicial. Ausência de prejudicialidade. ICMS. Cobrança pelo Estado de destino. Mercadoria adquirida em outra unidade federada. Consumidor final não contribuinte do imposto. Artigo 155, § 2º, VII, b, da CF. Redação original. Emenda Constitucional nº 87/2015. Convalidação. Impossibilidade. Lei nº 14.237/2008. Artigo 1º, caput e §§ 1º; 2º, incisos I e II; 3º, 4º e 5º; e art. 2º, caput e §§ 1º e 2º, do Decreto nº 30.542, de 23 de maio de 2011. Inconstitucionalidade. Modulação temporal. (…)

2. O Plenário da Corte já definiu que ofende o sistema constitucional de repartição interestadual de receitas previsto para o ICMS a instituição de diferença de alíquotas em favor do estado destinatário das mercadorias na hipótese de venda direta ao consumidor. O art. 155, § 2º, VII, g, da CF, em sua redação original, previa a incidência de alíquota interna devida ao estado de origem.

3. O ICMS incidente na aquisição de mercadorias ou bens por consumidor final não contribuinte do tributo decorrente de operação interestadual não pode ter regime jurídico fixado por estados-membros não favorecidos, sob pena de se contrariarem os arts. 155, § 2º, inciso VII, b, na sua redação original e o art. 150, IV e V, da CRFB/88.

4. A pretexto de corrigir desequilíbrio econômico, os entes federados não podem utilizar sua competência legislativa concorrente ou privativa para retaliar outros entes federados, como pretendeu o legislador estadual ao editar a Lei nº 14.237/08. No caso, a Constituição adotou como critério de partilha da competência tributária o estado de origem das mercadorias ou bens, de modo que o deslocamento da sujeição ativa para o estado de destino depende de alteração do próprio texto constitucional, opção política legítima que não pode ser substituída pela ação do Judiciário.

5. A orientação na jurisprudência da Corte vai no sentido de que o sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. Dessa forma, mesmo que a mudança do texto constitucional perpetrada pela Emenda Constitucional nº 87/2015 pudesse ser conciliada com a lei inconstitucional, não poderia haver convalidação, nem recepção da lei, já que eivada de nulidade original insanável, decorrente de sua frontal incompatibilidade com o texto constitucional vigente no momento de sua edição. (…) (ADI 4596, rel. Min. Dias Toffoli)

A posição doutrinária é também nessa linha (da impossibilidade de uma constitucionalidade superveniente):

A) Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. E a falta de validade traz como consequência a nulidade ou a anulabilidade. No caso da lei inconstitucional, aplica-se a sanção mais grave, que é a de nulidade. Ato inconstitucional é ato nulo de pleno direito. Tal doutrina já vinha proclamada no Federalista1 e foi acolhida por Marshall, em Marbury v. Madison:

Assim, a particular linguagem da Constituição dos Estados Unidos confirma e reforça o princípio, que se supõe essencial a todas as constituições escritas, de que uma lei contrária à constituição é nula.

A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí que por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. (Luís Roberto Barroso. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, Saraiva, 2ª Edição, 2006, fls. 15/16)

B) A constitucionalidade superveniente tem lugar quando uma norma inconstitucional, ao tempo de sua edição, torna-se compatível devido à mudança do parâmetro constitucional. (…)

Partindo-se da premissa de que a lei inconstitucional é um ato nulo3, o vício de origem será considerado insanável. A modificação do parâmetro constitucional não tem o condão de convalidar uma lei originariamente inconstitucional, que já nasceu morta. Nesse caso, poderá haver a declaração de inconstitucionalidade do ato por violação da constituição vigente à época de sua elaboração. (Marcelo Novelino. Manual de Direito Constitucional, Editora Método, 9ª Edição, 2014, fls. 143/144)

Há que aguardar, nesse caso, a iniciativa legislativa dos municípios para atender aos novos requisitos propostos pela Lei 14.285/2021. Só então se poderá avaliar a pertinência de enquadramento da situação controvertida no novo modelo proposto pelo Código Florestal em sua conformação atual.

6. No fundo, são questões que devem ser abordadas no meio próprio, inclusive administrativamente. Poderá o particular, oportunamente, instar o município a se manifestar sobre a viabilidade de regularização ou a aplicação de novo regramento incidente sobre áreas de preservação permanente em área urbana consolidada. Não se rejeitando aprioristicamente, também, eventual judicialização, com as medidas de urgência de direito, em caso de uma resistência imerecida do Poder Público.

Em suma, a improcedência fica balizada pelos estritos termos da causa de pedir e pedido formulada pelo acionante, ou seja, afastamento da APP consignada no Código Florestal em razão de uma aplicação automática dos preceitos contidos na Lei de Parcelamento do Solo. Não prejudica (não prejudica!) um novo enveredamento fático jurídico, notadamente com a discussão a respeito da regularização fundiária do imóvel nos termos da LCM 107/2018 e hipotética aplicação de legislação local que discipline o novo modelo inaugurado no art. 4º, § 10, da Lei 12.651/2012.

7. Assim, voto por conhecer e dar provimento ao reexame necessário para denegar a segurança. Custas pelo impetrante, suspensas em razão da gratuidade. Sem honorários.

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