Relatório
Trata-se de Recurso de Apelação Cível, interposto pelo Ministério Público Estadual, contra a sentença proferida pelo Juízo da Segunda Vara da Comarca de Juína, que, nos autos da Ação Civil Pública, por ele proposta, contra o Recorrido, julgou procedente, em parte, o pedido inicial, mas deixou de condenar a parte Requerida ao pagamento de dano moral coletivo (id. 31909971, págs. 01/05).
Irresignado, interpôs o Ministério Público Estadual a presente Apelação, sustentando que ficou devidamente demonstrado o direito à indenização por dano moral coletivo, já que este se dá, em virtude do seu aspecto objetivo, da perda da qualidade de vida da presente geração e do comprometimento da qualidade vida das futuras gerações.
Aduz que o meio ambiente equilibrado é interesse transindividual que supera a esfera dos direitos individuais disponíveis e constitui valor inestimável para a humanidade. O Apelado não apresentou as contrarrazões, conforme a certidão constante dos autos (id. 31909973, pág. 03).
A Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do Dr. Luiz Alberto Esteves Scaloppe, manifestou-se no sentido de intimar o Apelado para apresentar suas contrarrazões (id. 51455479, págs. 02/03).
Em vista de a parte Recorrida já ter sido intimada, determinei o retorno dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça (id. 51952963, pág. 01). Remetidos os autos para emissão de parecer, a Douta Procuradoria-Geral de Justiça permaneceu inerte (id. 59271974, pág. 01).
É o relatório.
VOTO
Como visto no relatório, trata-se de Recurso de Apelação Cível, interposto pelo Ministério Público Estadual, contra a sentença proferida pelo Juízo da Segunda Vara da Comarca de Juína, que, nos autos da Ação Civil Pública, por ele proposta, julgou procedente, em parte, o pedido inicial, mas deixou de condenar a parte Requerida ao pagamento de dano moral coletivo.
Denota-se dos autos que o Ministério Público Estadual propôs a Ação Civil Pública Ambiental, contra Eugênio Roberto Bergamim, alegando, em apertada síntese, que, no dia 10/12/2014, foi constatada a degradação da mata ciliar em diversos locais de sua propriedade rural, denominada Fazenda Rio Doce, causando grave prejuízo ao meio ambiente.
Alegou, na inicial, que o Requerido deveria reparar o dano ambiental, recuperando a área, pagar a indenização pela degradação realizada e pelos danos morais coletivos.
Ao apreciar os pedidos, a Magistrada singular julgou-os, parcialmente, procedentes, ficando a parte dispositiva assim redigida:
DISPOSITIVO:
Ante o exposto, com fulcro no art. 487, inc. I do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para CONDENAR o requerido à obrigação de fazer consistente na recuperação da área degradada, seja mediante continuidade à execução do PRAD já firmado, seja mediante elaboração de novo PRAD;
Contra essa decisao, o Ministério Público Estadual interpôs o presente Recurso de Apelação, pretendendo a reforma da sentença recorrida, para que o Apelado seja condenado ao pagamento de indenização pelos danos morais coletivos.
O dano moral coletivo, na lição de Carlos Alberto Bittar Filho, é assim conceituado:
O dano moral coletivo é uma injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.
Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa). (In: Do dano moral coletivo no contexto jurídico brasileiro. Disponível em http://egov.ufusc.br/portal/sites/default/files/anexos/30881-33349-1-PB.pdf.).
O Superior Tribunal de Justiça tem decidido nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CADASTRO DE PASSAGEM. LICITUDE. COMUNICAÇÃO PRÉVIA DO CONSUMIDOR. IMPRESCINDIBILIDADE. ART. 43, § 2º DO CDC. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO. RESPONSABILIDADE DA MANTENEDORA DO CADASTRO. DANO MORAL COLETIVO. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. (…).
8. O dano moral coletivo, compreendido como o resultado de uma lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade, se dá quando a conduta agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na consciência coletiva (arts. 1º da Lei nº 7.347/1985, 6º, VI, do CDC e 944 do CC, bem como Enunciado nº 456 da V Jornada de Direito Civil).
9. Não basta a mera infringência à lei ou ao contrato para a caracterização do dano moral coletivo. É essencial que o ato antijurídico praticado atinja alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais. Com efeito, para não haver o seu desvirtuamento, a banalização deve ser evitada.
10. (…). ( REsp n. 1726270/BA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 07/02/2019). (Negritei).
In casu, não há dúvidas sobre a degradação ao meio ambiente. Não há, no entanto, demonstração, por parte do Ministério Público Estadual, da ocorrência de prejuízo à imagem e à moral coletiva, por isso, aqui, ausente o nexo de causalidade que motive a condenação do Apelado ao pagamento de indenização a título de dano moral coletivo.
Frise-se que, para efeitos de dano moral coletivo ambiental, é necessário que o fato transgressor seja de razoáveis significância e gravidade para a coletividade, o que não ficou demonstrado nos autos, já que o Recorrido foi responsabilizado, porque descumpriu as normas vigentes, no que tange à degradação da mata ciliar.
Ademais, o dano ao meio ambiente sequer foi conhecido pela comunidade local, portanto, não há falar em comoção social que justifique a condenação pretendida pelo Apelante.
Anoto que, embora seja assegurado, na CRFB, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos e dever do Poder Público e da coletividade, a sua defesa, preservando-o para as presentes e futuras gerações, no caso em questão, a lesão ambiental, provocada pelo Apelado, não implicou um desequilíbrio ecológico que provocasse diminuição do bem-estar e da qualidade de vida de quantidade indeterminada de pessoas.
Corroborando o entendimento, perfilho o seguinte julgado desta Câmara:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –TRANSPORTE IRREGULAR DE MADEIRAS – AUSÊNCIA DE GUIA DE TRANSPORTE E DE NOTA FISCAL DOS PRODUTOS FLORESTAIS – INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – OFENSA AOS ARTIGOS 46 E 70 DA LEI FEDERAL N. 9.608/95 – DANO AO MEIO AMBIENTE – CARACTERIZAÇÃO – CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO EM PECÚNIA ANTE A IMPOSSIBILIDADE DE PROMOVER O REFLORESTAMENTO – VALOR FIXADO COM RAZOABILIDADE – MESMO VALOR DA MULTA ADMINISTRATIVA – CORRESPONDENTE AO PROVEITO ECONÔMICO – DANOS MORAL COLETIVO – NÃO CONFIGURAÇÃO – PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO – RECURSO DESPROVIDO. (…).
É cediço que, para efeitos de dano moral coletivo ambiental embora irrelevante a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado, é necessário que o fato transgressor seja de razoável significância e gravidade para a coletividade, o que não restou demonstrado nos autos. (N.U 0006297-15.2011.8.11.0015, Relatora Desa. Helena Maria Bezerra Ramos, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, julgado em 06/07/2020, publicado no DJE 14/07/2020).
Diante de tais considerações, penso que o Apelo deve ser desprovido.
Ante o exposto, DESPROVEJO a Apelação, interposta pelo Ministério Público Estadual, mantendo inalterada a sentença recorrida.
É como voto.