Relatório
Trata-se de apelação interposta por Avelino de Almeida Neto – em face do Instituto Estadual de Florestas-IEF, contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos da “Ação Anulatória”, julgou improcedente o pedido, para declarar a inexigibilidade da multa ambiental aplicada à parte Autora, bem como de todo e qualquer ato de caráter punitivo estribado na mesma infração. Ainda, condenou o Requerente no pagamento custas e honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor atualizado da causa (doc. 60).
O Apelante alega a inobservância da administração pública do cumprimento do art. 49 da Lei 9.784/1999, que prevê que a decisão de processos administrativos deverá acontecer em 30 dias; e do Decreto Estadual nº 44.844/08, que preceitua a conclusão dos processos administrativos em, no máximo, 120 dias.
Afiança que o não cumprimento das referidas regras implica atualização monetária do valor da multa fixada, em caso de indeferimento do processo, sendo que o prazo de apenas 120 dias transformou-se em 09 anos, mais exatamente 3.285 dias, o que configura sua dupla penalização, visto o valor vultuoso que a multa aplicada alcançou.
Sustenta que todos os atos da Administração, inclusive aqueles do processo administrativo, que causem ou possam causar gravame às partes ou aos interessados, devem ser motivados (art. 50, I, da Lei nº 9.784/99).
Aduz que a irregularidade do processo administrativo foi apresentada na petição inicial, mas sequer foi contemplado na r. sentença, que não apreciou o descumprimento pela administração pública das regras processuais.
Arguiu a prescrição da pretensão punitiva do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais – IEF, pois o tempo de paralisação processual administrativo, de 1583 dias, enquadra-se na hipótese de prescrição trienal.
Requer o provimento do recurso, para reformar a sentença, quanto a todos os pontos suscitados. Subsidiariamente, que a multa ambiental seja aplicada tão somente no período previsto para a duração do processo administrativo (doc.65).
Apresentadas contrarrazões (doc.86).
É o relatório.
Voto
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Denota-se dos autos que em 11/06/2009, a Polícia Militar de Minas Gerais lavrou auto de infração nº 019828, porquanto o Apelante teria cometido infração ambiental, consistente de “desmatar com corte raso com destoca 46,70 (quarenta e seis hectares e setenta ares) de vegetação nativa em áreas comuns sem autorização ambiental competente”, sendo-lhe aplicado a multa de R$ 23.749,10 (vinte e três mil, setecentos e quarenta e nove reais e dez centavos) (doc. 03).
Ao que consta, o trânsito em julgado do processo administrativo, que constituiu o crédito, deu-se somente em 23/04/2018, com a notificação do autuado, de modo que a Execução Fiscal nº 5162312- 93.2018.8.13.0024 foi promovida em 21/11/2018.
O Estado de Minas Gerais assevera que não seria aplicável ao caso a legislação federal que estabelece regras relativas à pretensão punitiva em matéria de direito ambiental, contudo, admite que não possui previsão de prescrição intercorrente em seu ordenamento, seja em sua Constituição Estadual de 1989, seja em sua legislação infraconstitucional.
Aduz o Apelado que a Lei Estadual 21.735, de 03 de agosto de 2015, que “dispõe sobre a constituição de crédito estadual não tributário”, regulou de forma exauriente o instituto da prescrição dos créditos não-tributários (dentre os quais se enquadram as multas ambientais) em âmbito estadual, sem positivar qualquer hipótese de prescrição intercorrente. Logo, o silêncio da lei seria eloquente, pois revelaria a clara intenção do legislador em que só se cogite falar em prescrição a partir do momento da constituição definitiva do débito – e em nenhum momento antes dele.
Ora, diferentemente do que entende o Recorrido, a inarredável conclusão é de que aludida norma não regulou de forma exauriente a matéria, deixando o administrado em franca desvantagem em relação à Administração Pública, pois se admitiria um prazo ad eternum para a constituição do crédito, de modo que apenas a pretensão executiva seria passível de prescrição.
Decerto, a demora excessiva e desarrazoada nas decisões dos órgãos administrativos, como no caso em tela – longuíssimos 09 (nove) anos – é capaz de causar sérios transtornos ao administrado, tais como incidência de correção que majora significativamente o valor do principal, e incerteza da cobrança do crédito: o que fere de morte os princípios constitucionais da eficiência, segurança jurídica e duração razoável do processo.
In verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […].
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
In casu, conforme se extrai do Processo Administrativo, em 25/06/2009, o Apelante apresentou defesa administrativa contra o auto de infração, que obteve relatório de análise administrativa negativa somente em 26/03/2012, com homologação em 04/05/2012. Em 19/11/2012, o Apelante apresentou Recurso administrativo, que somente teve decisão definitiva publicada em 05/04/2018 – sem que atos de movimentação do processo tenham sido praticados nesse ínterim.
A manifesta incúria do IEF/MG gerou a incidência de R$8.752,10 de correção monetária, mais R$21.450,79 de juros de mora, atualizado até 31/12/2014, de sorte que a ação judicial de execução, proposta em 19/11/2018, busca o adimplemento de crédito não tributário no montante de R$75.797,35.
Pois bem, na ausência de regulamentação específica concernente à prescrição intercorrente, nos processos administrativos que apuram infração ambiental no âmbito do Estado de Minas Gerais, aplica-se por analogia, o prazo de cinco anos previsto no Decreto nº 20.910/32, à pretensão punitiva incidente – a exemplo do julgamento do Mandado de Segurança 1.0000.19.019868-9/000, de Relatoria do Des. Belizário de Lacerda, acompanhado à unanimidade por esta 7ª CaCiv.
Nesse sentido, o STJ já pontuou que, como há uma lacuna na lei em relação à prescrição intercorrente no processo administrativo, deve-se também aplicar o prazo quinquenal previsto no Decreto 20.910/1932, ante a aplicação do princípio da isonomia. Nesta linha de raciocínio, tanto na ação punitiva (apuração da infração no processo administrativo para constituição do crédito), quanto no ajuizamento da ação de cobrança ou execução fiscal, o prazo prescricional a ser adotado é o quinquenal, quando inexiste na esfera estadual ou municipal , previsão legal específica que discipline a matéria (AgInt no REsp 1672459 PR 2017/0113710-2)
Dessa forma, sanar-se-á a omissão legislativa estadual, integrando o ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que se efetiva a garantia do direito fundamental do cidadão à razoável duração do processo administrativo.
Por todo o exposto, dou provimento à apelação, para reconhecer a prescrição intercorrente da constituição do crédito concernente à multa ambiental aplicada ao Apelante.